Sempre que a minha vida estagna, manter as mãos ocupadas liberta-me. Porque vai servir para alguma coisa e porque o resultado está à vista. É material e palpável. E isso, nesses momentos, é muito importante. Como fazer um bolo, ver a massa a crescer e comê-lo a seguir. Tão simples quanto isso.
"Flutuo/ Consigo deslindar o meu gosto sem esforço/ Balanço é o que a maré me dá/ E eu não contesto/ O meu destino está fora de mim/ Eu aceito/ Sou eu despida de medos e culpas/ Confesso/ Hoje eu vou fingir/ Que não vou voltar/ Despeço-me do que mais quero/ Só para não te ouvir dizer/ Que as coisas vão mudar/ Amanhã/ Flutuo/ Consigo deslindar o meu gosto sem esforço/ Balanço é o que a maré me dá/ E eu não contesto/ Amanhã pensar nisso sempre me dá mais jeito/ Fazer de mim Pretérito Mais Que Perfeito/ Hoje eu vou fingir/ Que não vou voltar/ Despeço-me do que mais quero/ Só para não te ouvir dizer/ Que as coisas vão mudar/ Amanhã/ Amanhã/ Hoje eu vou fugir/ Para não me dar a vontade de ser tua/ Só para não me ouvir dizer/ Que as coisas vão mudar/ Amanhã/ Amanhã/ Amanhã" "Flutuo" Susana Félix
"If we can call them friends then we can call them on their telephones and they won't pretend that they're too busy or that they're not alone and if we can call them friends then we can call holler at them down these hallowed halls. Just don't let the human factor fail to be a factor at all. Don't, don't you worry, about the atmosphere or any sudden pressure change cause i know that it's starting to get warm in here and things are starting to get strange. And did you, did you see how all of our friends were there and they're drinking roses from the can? And how, how I wish I, I had talked to them, and I wish they fit into the plan. And we were tired of being mild. We were so tired of being mild. And we were tired... I know we're going to meet some day in the crumbled financial institutions of this land. There will be tables and chairs. There'll be pony rides and dancing bears. There'll even be a band. Cause listen, after the fall there will be no more countries. No currencies at all, we're gonna live on our wits. We're gonna throw away survival kits, trade butterfly-knives for adderal and that's not all. Ooh-ooh, there will be snacks there will. There will be snacks, there will be snacks. And we were tired of being mild, we were so tired of being mild, and we were (we were so) tired... So don't you, don't you worry about the atmosphere."
Uma casa é como uma pessoa que nos faz sentir visita quando lá entramos a primeira vez. Abrimos a porta, o olhar cruza-se com o espaço vazio. O eco ensurdece. E as paredes, esburacadas e usadas, contam uma história. Lembram-nos que ali se viveram outras vidas.
Há muitos anos atrás, quando ainda só desenhava aquilo que queria escrever, imaginei uma casa com pernas. As rachas nas paredes eram rugas, a fachada era uma rosto e o seu interior, vazio, envelhecia lentamente, sem nunca ter sido habitado.
Não sei que dia é hoje.
Estamos em 1949.
Eu tenho 45 anos e estou desabitada. Como uma casa abandonada, o meu corpo tende a revelar aquilo que a minha mente se esforça por ocultar.
Todos os dias, desde há 25 anos, escrevo uma carta de amor para alguém. Tenho, no meu armário, 52 kg de cartas de amor, o meu peso em pedaços de papel. O meu peso em memórias de alguém que vi um dia e julguei, naquele momento, nunca querer esquecer. Nunca cheguei a conhecer as pessoas a quem escrevi e todas as minhas cartas terminavam com uma pergunta:
— “Qual a razão para estares a demorar tanto tempo a querer conhecer-me?”
Acreditei sempre que bastava olhar fixamente para alguém para ser notada, para existir. Desejava que os outros conseguissem descobrir em mim coisas que eu não conhecia. E acreditava que tínhamos que construir algo juntos. Aquela era a minha visão, apenas. A isso chama-se fé, não precisar de provas para acreditar que é possível. Mas será que vale a pena ter fé quando todos os índicios nos dizem para não ter?
"I don't wanna be your friend. I just wanna be your lover. No matter how it ends. No matter how it starts. Forget about your house of cards. And I'll do mine. Forget about your house of cards. And I'll do mine. And fall off the table, get swept under. Denial, denial. The infrastructure will collapse. Voltage spikes. Throw your keys in the bowl. Kiss your husband goodnight. Forget about your house of cards. And I'll do mine. Forget about your house of cards. And I'll do mine. Fall off the table, get swept under. Denial, denial. Denial, denial. Your ears should be burning. Denial, denial. Your ears should be burning."
"Dias depois, quando? Sem memória esvai-se o presente que simultaneamente já é passado morto. Perde-se a vida anterior. E a interior, bem entendido, porque sem referências do passado morrem os afectos e os laços sentimentais. E a noção do tempo que relaciona as imagens do passado e que lhes dá a luz e o tom que as datam e as tornam significantes, também isso. Verdade, também isso se perde porque a memória, aprendi por mim, é indispensável para que o tempo não só possa ser medido como sentido."
Um livro pequenino e bonito que li há muitos, muitos anos e que nunca esqueci. Título: "De Profundis, Valsa Lenta" Autor: José Cardoso Pires
É pau, é pedra, é o fim do caminho/ é um resto de toco, é um pouco sozinho/ é um caco de vidro, é a vida, é o sol/ é a noite, é a morte, é um laço, é o anzol/ é peroba do campo, é o nó da madeira cainga, candeia, é o Matita Pereira/ É madeira de vento, tombo da ribanceira/ é o mistério profundo/ é o queira ou não queira/ é o vento ventando, é o fim da ladeira/ é a viga, é o vão, festa da cumeeira/é a chuva chovendo, é conversa ribeira/ das águas de março, é o fim da canseira/ é o pé, é o chão, é a marcha estradeira/ passarinho na mão, pedra de atiradeira/ Uma ave no céu, uma ave no chão/é um regato, é uma fonte/ é um pedaço de pão/ é o fundo do poço, é o fim do caminho/ no rosto o desgosto, é um pouco sozinho/ É um estrepe, é um prego/ é uma ponta, é um ponto/ é um pingo pingando/ é uma conta, é um conto/ é um peixe, é um gesto/ é uma prata brilhando/ é a luz da manhã, é o tijolo chegando/ é a lenha, é o dia, é o fim da picada/ é a garrafa de cana, o estilhaço na estrada/ é o projeto da casa, é o corpo na cama/ é o carro enguiçado, é a lama, é a lama/ é um passo, é uma ponte/ é um sapo, é uma rã/ é um resto de mato, na luz da manhã/ são as águas de março fechando o verão/ é a promessa de vida no teu coração/ É pau, é pedra, é o fim do caminho/ é um resto de toco, é um pouco sozinho/ é uma cobra, é um pau, é João, é José/ é um espinho na mão, é um corte no pé/ são as águas de março fechando o verão/ é a promessa de vida no teu coração/ É pau, é pedra, é o fim do caminho/ é um resto de toco, é um pouco sozinho/ é um passo, é uma ponte/ é um sapo, é uma rã/ é um belo horizonte, é uma febre terçã/ são as águas de março fechando o verão/ é a promessa de vida no teu coração/ É pau, é pedra, é o fim do caminho/ é um resto de toco, é um pouco sozinho/ É pau, é pedra, é o fim do caminho/ é um resto de toco, é um pouco sozinho/ Pau, pedra, fim do caminho/ resto de toco, pouco sozinho/ Pau, pedra, fim do caminho, resto de toco, pouco sozinho. Águas de Março Elis Regina
"— Quando eu era pequena acreditava em Deus, era magnífico; havia qualquer coisa que me era exigida a cada instante; então parecia-me que eu devia de facto existir. Era uma necessidade. Sorri-lhe com simpatia. — Creio que o seu problema é imaginar que as suas razões de viver deviam cair do céu já prontas: somos nós que as temos de criar! — Mas se sabemos que as criamos nós próprios, já não podemos acreditar nelas. Isso não é senão uma maneira de nos iludirmos."
Título: "O Sangue dos Outros" Autor: Simone De Beauvoir