“Às vezes a palavra é a única ação possível.”
Por trás dos meus quereres e dos meus desejos ajo com cautela e paciência. Porque sei que a minha intenção é respeitar o silêncio, o ritmo, a disponibilidade possível em cada momento.
Há momentos em que tento não interferir, nem com palavras. Porque aposto na continuidade - no que pode ser. E para o que puder ser poder acontecer de facto, isto é necessário. Ficar quieta. Aquietar a mente. Aquietar a constante necessidade de agir sobre as coisas. Aplicar essa energia em práticas que me alimentam e libertam.
Não há segredos. Eu viajo nesse espaço vazio que vai criando ondas e se vai reflectindo naquilo que sou.
O que o outro não manifesta. O que a vida não desenrola. O que fica por acontecer…
Nos silêncios inexplicáveis é como se existisse um pedido de equilíbrio que reverbera incessantemente - move-te, vai ao teu encontro, como é que estás a acontecer? O que está vivo dentro de ti? O que é que não podes parar?
Então danço, durmo, teço, leio, ouço, cozinho, aspiro, cuido, limpo, imagino, salto, liberto, canto, escrevo, rio, choro, converso, interpreto, exploro, abro, valorizo, valido, amo.
Foi esse o convite que decidi aceitar. E surpreendo-me a cada reencontro comigo mesma.
"Uma coisa que me põe triste é que não exista o que não existe.
(Se é que não existe, e isto é que existe!)
Há tantas coisas bonitas que não há:
coisas que não há,
gente que não há,
bichos que já houve e já não há,
livros por ler,
coisas por ver,
feitos desfeitos, outros feitos por fazer,
pessoas tão boas ainda por nascer e outras que morreram há tanto tempo!
Tantas lembranças de que não me lembro,
sítios que não sei,
invenções que não invento,
gente de vidro e de vento,
países por achar, paisagens,
plantas,
jardins de ar,
tudo o que eu nem posso imaginar porque se o imaginasse já existia
embora num sítio onde só eu ia..."
–
Manuel António Pina
——
Deixar viver o que precisa viver.
Deixar morrer o que precisa morrer.
Escutar a música que se encontra no meio desses dois momentos.
E dançar!
Como acontece tantas vezes, faço minhas as palavras da Marlee Grace:
"I’ve been gifted the crystal vision of myself, tied to nothing but the Earth. I have fortified myself little by little, sure of nothing, trusting everything. The dice say god on every side so whichever way you roll them that’s how they land.
…
I promise to fall with great might and with great trust, because my steadiness holds me in a way that can’t be swept away."
Acreditar, ter fé, alimentar a esperança - o dado ter Deus escrito em todas as suas faces e deixar de importar para que lado roda -, tudo são forças misteriosas que por um lado alimentam o sonho e por outro alimentam a realidade (porque a miragem também dá alento).
Tenho-me sentido indecisa sobre isto, em todo o caso.
"Giving up showed me I can give up and stay alive simultaneously. And while there are gifts there are also no gifts."
Sempre tive muita confiança na vida. Procurei construir significados naquilo que faço e dar intenções claras ao que sou para poder apaziguar-me em relação ao meu próprio valor e à necessidade de dar um qualquer sentido a tudo isto. Mas nos momentos em que há zero presentes, zero reciprocidade, zero disponibilidade do lado de fora, é como se ficasse vazia de tudo por dentro também. Tenho vontade de desistir - mas, para ser sincera, não sei como é que isso se faz, nem sei bem do que é que estaria a desistir, portanto continuo.
Se por um lado, continuar sem fé é como estar a tentar remar em cima de um monte de areia - nada mexe e cansa muito.
(Nada sai do mesmo lugar porque falta qualquer coisa fundamental para se poder avançar.)
Pelo menos, em cima daquele monte de areia há uma sensação de controlo. Porque sei exactamente onde estou. Está tudo seguro. É tudo conhecido e familiar. E isso também dá uma falsa sensação de fé (vai tudo resolver-se portanto não preciso de fazer absolutamente nada).
(Isto é um pouco confuso para mim e vou tentando organizar os meus pensamentos à medida que os escrevo.)
O que quero dizer de facto é que a fé é o que me impulsiona mas também é o que me trava tantas vezes numa qualquer espera vã.
Ou seja, apesar do que escrevi antes (eis o paradoxo), nem sempre acredito que a fé me ajude a sair do mesmo lugar.
Não sei qual destas coisas é mais certa - a ação ou a espera. Acreditar ou desistir...
Pode ser que nenhuma das duas esteja realmente errada – talvez seja apenas uma questão de contexto ou de perspectiva. Mas há momentos em que parece que estou só à procura de coisas impossíveis e isso deixa-me exausta.
Resta-me ficar apenas num estado de rendição. Compreender que posso divertir-me. Mesmo que às vezes pareça tudo tão sério...
(É o que estou a tentar praticar.)