the hands show the way of the heart

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You are therefore I am

On
November 18, 2022

photo by @Bruno Grilo



Às vezes leio sobre a importância de entender que o que os outros pensam e dizem sobre mim é "mais sobre eles do que sobre mim". Nesses momentos, pergunto-me: mais quanto?


Tem-me interessado sobretudo usar o meu tempo e a minha energia para assumir responsabilidades. As minhas!


O que os outros pensam sobre mim conta uma série de histórias. Fala, sim, sobre a sua narrativa, sobre condicionamentos sociais e também fala sobre mim, claro. Mas a realidade raramente é apenas o que eu penso… 



Por estas razões, quando alguém faz um comentário a meu respeito, tento manter-me, antes de mais, curiosa. 



Ultimamente, acho graça e divirto-me ao pensar que há tanta coisa que não sei que sou, tanta coisa que vive à minha sombra que, o que é de facto interessante, é ouvir e tentar não me ofender com nada. 


Se calhar aquela percepção é sobre uma máscara minha que nem sabia que tinha. Se calhar descubro que quando falo de uma determinada maneira sou ouvida de uma forma que nem imaginava. Se calhar não. Se calhar conta a história dele/dela mas assim, se não me ocupar a fazer julgamentos bons ou maus, tenho a oportunidade de empatizar. De ouvir. De ficar a observar.

Acima de tudo, de não me excluir da relação. Nem das suas possibilidades. 


No entanto, se achar que o que o outro diz ou pensa é só sobre o ele/ela, estou a entrar naturalmente em modo reactivo. E não aprendi grande coisa sobre mim. 



Toda a gente tem feridas. Não tenho que aceitar tudo bem e muito menos desculpar tudo o que me dizem ou me fazem (para mim isto é claro). 


Estou longe de ser perfeita e também tenho necessidade de pertencer e de ser amada e validada como toda a gente. Mas compreendo que preciso de estar em paz comigo e com os meus defeitos para ter relações cada vez mais saudáveis. Tenho de fazer o luto da perfeição. Tenho de ser gentil com o meu crítico interno.

E percebo que fico mais em paz quanto menos me ofendo com a percepção que os outros têm desses defeitos. Quanto mais curiosa estou sobre o que me rodeia. Quanto mais me compreendo vista pelos muitos olhares que me observam.

Não é de todo uma receita. É um caminho aos altos e baixos.

Às vezes parece que ando só para trás e para a frente sem sair realmente do mesmo sítio.

No entanto, celebro o facto de pelo menos já ter chegado até aqui. Pouco a pouco. 


"Não há longe nem distância"

On
November 04, 2022
Quando não há nenhum presente para dar - nenhum presente que se agarre nas mãos e se veja com os olhos -, imagino que ofereço algo que só o outro pode ver. Alguma coisa que lhe dá o poder de conhecer a alegria de se elevar sobre o mundo e sobre as suas preocupações. E de, cá em baixo, encontrar respostas para todas as suas perguntas e angústias. 

Este presente, como todas as coisas que não são materiais, tornar-se-á mais poderoso à medida que for sendo usado. Até que, com o tempo, deixará de ser necessário continuar a imaginá-lo porque se compreende que as únicas coisas que contam são apenas as que são feitas de verdade e de alegria. 

Este presente invisível, como qualquer presente que se oferece a um amigo, é a esperança na sua felicidade. 

Assim, receber algo é também uma dádiva. Aprender a receber é dar algo ao outro. Não há dualidade nisto de estar vivo. 


In the act of giving there are always two people receiving.

*
Inspirado no livro de Richard Bach "Não há longe nem distância."

Demons are nice

On
September 30, 2022

 


Lets normalize rest

On
September 30, 2022
Normalizemos o descanso. Normalizemos a necessidade de repousar, que é como quem diz: de não fazer nada. 


Porque no nada também se encontra muita coisa. 
É como uma afinação. Uma ordem que se repõe internamente mas que também sustenta o que está fora - enquanto dormimos ou descansamos, o mundo descansa. 

"Even sleeping (Nidra) is a way of self-replenishment.
Once the Emperor of Persia asked his Sufi teacher, "What can I best do to recover and renew my soul?"
"My Lord, sleep as long as you can," came the reply.
"What do you mean? I can't neglect my duties! I have justice to deliver, ambassadors to receive, taxes to determine – so much work to do, I have no time to sleep," said the Emperor.
"But my Lord, the longer your sleep, the less you will oppress!" was the Sufi master's blunt reply.
Much of the time when we are active we oppress other people and damage the earth, which damages our souls.
...
The antidote  to this  overworked society is to recognize the value of sleeping as a spiritual practice. Sleep makes beautiful dreams possible. During dreaming the soul renews itself."

Satish Kumar * You are therefore I am


A cultura do medo de não fazer nada parece ter-se instalado de tal forma que o pensamento que martela sem parar quando só apetece dormir uma sesta é o do tempo que se vai perder. Daquilo que vai estar à espera, independentemente de o fazer agora ou mais tarde. 

Quando é que estar descansado passou a ser um privilégio? 

Pousar o corpo é pousar a cabeça também. É deixar que as coisas se arrumem sozinhas sem querer controlar tudo o tempo todo. Não estou a dizer que o trabalho pára ou que as responsabilidades param. Mas neste momento o que observo é que a cabeça nunca acalma. Como se descansar desse culpa. 
E não é preciso! 

Normalizemos que é ok pousar o peso do dia, das máscaras, das armaduras, dos super poderes, do querer ser melhor que o outro, da sensação de não se conseguir fazer isto ou aquilo. Esse não conseguir pesa tanto e vale tão pouco… estamos todos aqui. Só por existirmos, já vencemos! 

Sei lá de quanto tempo é o meu contrato com a vida. Não será importante respeitar-me enquanto cá ando?!

O luto da perfeição

On
September 26, 2022

 


By Marlee Grace.

As histórias de amor acontecem no meio

On
September 26, 2022
As histórias de amor não são como nos contos de fadas e nem sempre têm um final feliz ou duram para sempre. 

As histórias de amor, acontecem no meio. Porque uma relação que termina não acaba com o amor que se viveu nem com aquilo que se partilhou. 


Às vezes, na busca por uma "história da Disney", o presente evapora-se. 
Se calhar, às vezes, as coisas são só mais ou menos. Uma pessoa permanece e tenta, porque ainda acredita no potencial. Mas essa fé, só por si, já é uma grande história de amor. Porque é um confiar que há ali uma magia qualquer que nos prende ao outro. Mesmo que essa magia sejam apenas coisas práticas e mundanas, a vida é feita disso! Então é bonito que em determinados momentos seja o quotidiano a ganhar.

Dá um quentinho cá dentro idealizar o romance que existe entre velhinhos de mãos dadas na rua porque não estamos com eles quando se põem aos gritos um com o outro. 
Só que as histórias de amor são isso mesmo: feitas de acordar junto, dormir cada um virado para seu lado, ressonar em uníssono, partilhar de manhã o sonho que se teve e pensar que seca que é ouvir o outro por mais um segundo mas ouvir na mesma porque se respeita e quer-se agradar. 
Histórias de amor são os pequenos presentes que nos damos sem darmos conta. 
Depois às vezes já não queremos agradar mais e é o fim. Dizemos adeus ou até já e fica um vazio porque nos esquecemos que o que já se viveu já está ganho. Já ganhámos só por aquilo ter existido mesmo que não tenha preenchido os ideais ou as fantasias que tínhamos e continuamos a ter.


É preciso saber separar as coisas porque a cada instante há uma fantasia que se desfaz. Mas quando isso acontece o que resta é a realidade. E a realidade é que é a puta da verdade. Então mais vale agarrá-la e vivê-la tal como ela se apresenta a cada momento.

As histórias de amor não acontecem no fim. Acontecem no agora!
Se me lembrar disso, quem sabe, até posso começar a achar que vou viver feliz para sempre :)

No waste!

On
September 14, 2022


“When you least expect it, nature has cunning ways of finding our weakest spot. Just remember I’m here. Right now, you may not want to feel anything. Maybe you’ll never want to feel anything. And, maybe it’s not to me you want to speak about these things, but I feel something you obviously did.

Look, you had a beautiful friendship. Maybe more than a friendship. And I envy you.

In my place, most parents would hope the whole thing goes away, or pray that their sons land on their feet. But I am not such a parent. We rip out so much of ourselves to be cured of things faster that we go bankrupt by the age of 30 and have less to offer each time we start with someone new. But to make yourself feel nothing so as not to feel anything—what a waste!

And I’ll say one more thing… it’ll clear the air. I may have come close, but I never have what you two have. Something always held me back or stood in the way. How you live your life is your business. Just remember, our hearts and our bodies are given to us only once, and before you know it, your heart’s worn out. And as for your body, there comes a point when no one looks at it, much less wants to come near it. Right now, there’s sorrow, pain; don’t kill it, and with it, the joy you’ve felt.”

Mães

On
September 14, 2022


"Dizem: quando nasce um bebê, nasce uma mãe também. E um polvo. Um restaurante delivery. Uma máquina de chocolate prontinho. Uma mecânica de carrinhos de controle remoto. Uma médica de bonecas. Uma professora-terapeuta-cozinheira de carreira medíocre. Nasce uma fábrica de cafuné, um chafariz de soro fisiológico, um robô que desperta ao som de choro. E principalmente: nasce a fada do beijo.


Quando nasce um bebê, nasce também o medo da morte - mães não se conformam em deixar o mundo sem encaminhar devidamente um filho.
Não pense você que ao se tornar mãe uma mulher abandona todas as mulheres que já foi um dia. Bobagem. Ganha mais mulheres em si mesma. Com seus desejos aumentam sua audácia, sua garra, seus poderes. Se já era impossível, cuidado: ela vira muitas. Também não me venha imaginar mães como seres delicados e frágeis. Mães são fogo, ninguém segura. Se antes eram incapazes de matar um mosquito, adquirem uma fúria inédita. Montam guarda ao lado de suas crias, capazes de matar tudo o que zumbir perto delas: pernilongos, lagartas, leões, gente.
Mães não têm tempo para o ensaio: estreiam a peça no susto. Aprendem a pilotar o avião em pleno voo. E dão o exemplo, mesmo que nunca tenham sido exemplo. Cobrem seus filhos com o cobertor que lhes falta. E, não raro, depois de fazerem o impossível, acreditam que poderiam ter feito melhor. Nunca estarão prontas para a tarefa gigantesca que é criar um filho - alguém está?


Mente quem diz que mãe sente menos dor - pelo contrário! Ela apenas aprende a deixar sua dor para outra hora. Atira o seu choro no chão para ir acalentar o do filho. Nas horas vagas, dorme. Abastece a casa. Trabalha. Encontra os amigos. Lê - ou adormece com um livro no rosto. E, quando tem tempo pra chorar - cadê? -, passou. A mãe então aproveita que a casa está calma e vai recolher os brinquedos da sala. Como esse menino cresceu, ela pensa, a caminho do quarto do filho. Termina o dia exausta, sentada no chão da sala, acompanhada de um sorriso besta.
Já os filhos, ah Filhos fazem a mãe voltar os olhos para coisas que não importavam antes. O índice de umidade do ar. Os ingredientes do suco de caixinha. O nível de sódio do macarrão sem glúten. Onde fica a Guiné-Bissau. Os rumos da agricultura orgânica. As alternativas contra o aquecimento global. Política. E até sua própria saúde. Mães são mulheres ressuscitadas. Filhos as rejuvenescem, tornando a vida delas mais perigosa - e mais urgente.


Quando nasce um bebê, nasce uma empreiteira. Capaz de cavar a estrada quando não há caminho, só para poder indicar: É por ali, filho, naquela direção."

Sobre o amor.

On
September 14, 2022


Apaixonei-me. 

Já me apaixonei muitas vezes.


Há quem diga que a paixão é uma coisa horrível porque desassossega e é uma angústia. Acho que passados anos disto, eu consigo entender. E, estranhamente, acolher também. 


Algures cá dentro há um vazio que nada tem a ver com o medo do abandono, da rejeição ou do desamor. É um vazio de ausência. Uma coisa que parece que precisa de ser preenchida e que, pelo menos para mim, relembra uma ferida muito antiga.


A questão fundamental é, o que é que está por detrás da dor? Se existe um vazio é porque há essa possibilidade. Há um espaço para isso acontecer. Porque, em compensação, haverá algo que está profundamente preenchido noutro sítio qualquer. 

Então, ultimamente, mesmo quando a mente não concorda, tudo o que consigo fazer é pagar para ver. Preciso de Ver. Preciso de ficar com o que está a pedir para ser vivido e sentido. 

É uma coisa que não controlo nem desejo controlar. 

E, por isso, apenas fico. E observo. E absorvo tudo. 

Despojo-me de julgamentos, de ideias e de futuro. 

Mantenho-me absolutamente curiosa. 

No presente das coisas. No tempo das coisas. À medida e no tamanho que forem acontecendo. 


Costumava ter a fantasia de que existia uma alma gémea - alguém que me completasse e me fizesse sentir inteira. Mas, em qualquer momento isso ruiu. E eu tive que dar-me a mão. Ficar inteira comigo mesma, com muito amor e compaixão. Aprender a caminhar de mãos dadas comigo.

Nesse processo de ir ao meu próprio encontro fui também escavando. Só que escavar até ao fundo das coisas dói sempre cada vez mais. Implica, creio, perceber que a dor é uma aliada. Que não é algo que me acontece mas que é também uma parte de quem eu sou. E que portanto, devo render-me a ela com humildade. Deixar que me atravesse. Dando-lhe o devido espaço que ela precisa. Com uma fé inabalável de que do outro lado está apenas amor. 


Nota importante: Esta é a minha viagem. E eu estou a fazê-la porque fui reunindo recursos para isso. Mas sem dúvida, acho que este não é um caminho que deva ser trilhado sem suporte. É mesmo um lugar perigoso e que para muita gente talvez não deva ser de facto normalizado. Alguém tem que nos segurar na mão - Mesmo!!! E até sermos capazes de ser nós mesmos, é de extrema importância pedir ajuda. 


The sanctity of life

On
July 10, 2022

Part of being a Woman

On
July 10, 2022

Durante muito tempo tive um certo medo de ser mulher que consequentemente se reflectia nas relações que tinha e na forma como caminhava na vida.

Talvez, por ser mulher, houvesse em mim vergonha de sentir raiva ou mostrar emoções de zanga ou agressividade. Em não ser doce ou simpática ou querida. E isso pesa, tal como pesará ter que parecer sempre forte ou sentir que se tem solução para tudo mesmo que na maior parte das vezes ninguém saiba realmente o que anda aqui a fazer.


O mundo é um lugar estranho. E, neste momento, sinto que é ainda mais estranho quando sentimos que somos especiais.

Porque, ser especial confere direitos. Ideias de que o que penso ou sinto é que está correcto. Que a minha história ou a minha narrativa tem mais peso. Ou é mais importante ou melhor.


A melhor aprendizagem que fiz este ano foi ter percebido e continuar a trabalhar internamente no sentido de que "não sou especial". Sou só um ser humano, com a minha experiência e com as minhas responsabilidades. 

Gostarem de mim ou validarem o que sinto não me torna especial, torna-me amada, compreendida, vista. 

Acharem que tenho qualidades não me torna especial, torna-me única, tal como todos os outros. 


Hoje, a raiva é um lugar seguro porque sei o que fazer com ela. Aceito-a. Sigo com ela. E tento criar algo a partir desse lugar. Sem fazer julgamentos bons ou maus sobre isso.

Todas as minhas emoções são necessárias e sinto-me em paz com elas porque sei que tenho sempre a escolha de colocar o que sinto ao meu serviço e ao serviço do mundo ou de quem está à minha volta. 

A zanga, o desconforto, a tristeza e a sensação de injustiça estão a meu favor: amasso um pão, arranco ervas daninhas, danço ou salto num trampolim. Organizo um movimento, abraço a minha filha. Construo uma casa. 

Seja o que for, acredito que tudo é para o meu bem. 

Isso libertou-me do medo de ser como sou. E, penso, permitiu-me (e ainda permite) evoluir para lá das construções que fiz/ faço de mim mesma. Andar de mão dada comigo.


Elas

On
May 12, 2022

"Revolução e Mulheres" de Maria Velho da Costa


1. RECONSTITUIÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO
Elas são quatro milhões, o dia nasce, elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café. Elas picam cebolas e descascam batatas. Elas migam sêmeas e restos de comida azeda. Elas chamam ainda escuro os homens e os animais e as crianças. Elas enchem lancheiras e tarros e pastas de escola com latas e buchas e fruta embrulhada num pano limpo. Elas lavam os lençóis e as camisas que hão-de suar-se outra vez. Elas esfregam o chão de joelhos com escova de piaçaba e sabão amarelo e correm com os insectos a que não venham adoecer os seus enquanto dormem. Elas brigam nos mercados e praças por mais barato. Elas contam centavos. Elas costuram e enfiam malhas em agulhas de pau com as lãs que hão-de manter no corpo o calor da comida que elas fazem. Elas vêm com um cântaro de água à cinta e um molho de gravetos na cabeça. Elas limpam as pias e as tinas e as coelheiras e os currais. Elas acendem o lume. Elas migam hortaliça. Elas desencardem o fundo dos tachos. Elas passajam meias e calças e camisas e outra vez meias. Elas areiam o fogão com palha de aço. Elas calcorreiam a cidade a pé e à chuva porque naquele bairro os macacos são caros. Elas correm esbaforidas para não perder o comboio, o barco. Elas pousam o cesto e abrem a porta com a mão vermelha. Elas põem a tranca no palheiro. Elas enterram o dedo mínimo na galinha a ver se tem ovo. Elas acendem o lume. Elas mexem o arroz com um garfo de zinco. Elas lambem a ponta do fio de linha para virar a camisa. Elas enchem os pratos. Elas pousam o alguidar na borda da pia para aguentar. Elas arredam a coberta da cama. Elas abrem-se para um homem cansado. Elas também dormem.

2. REPRODUÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO
Elas vão à parteira que lhes diz que já vai adiantado. Elas alargam o cós das saias. Elas choram a vomitar na pia. Elas limpam a pia. Elas talham cueiros. Elas passam fitilhos de seda no melhor babeiro. Elas andam descalças que os pés já não cabem no calçado. Elas urram. Elas untam o mamilo gretado com um dedal de manteiga. Elas cantam baixinho a meio da noite a niná -lo para que o homem não acorde. Elas raspam as fezes das fraldas com uma colher romba. Elas lavam. Elas carregam ao colo. Elas tiram o peito para fora debaixo de um sobreiro. Elas apuram o ouvido no escuro para ver se a gaiata na cama ao lado com os irmãos não dá por aquilo. Elas assoam. Elas lavam joelhos com água morna. Elas cortam calções e bibes de riscado. Elas mordem os beiços e torcem as mãos, a jorna perdida se o febrão não desce. Elas lavam os lençois com urina. Elas abrem a risca do cabelo, elas entrançam. Elas compram a lousa e o lápis e a pasta de cartão. Elas limpam rabos. Elas guardam uma madeixita entre dois trapos de gaze. Elas talham um vestido de fioco para uma boneca de papelão escondida debaixo da cama. Elas lavam as cuecas borradas do primeiro sémen, do primeiro salário, da recruta. Elas pedem fiado popeline da melhor para a camisa que hão-de levar para a França, para Lisboa. Elas vão à estação chorosas. Elas vêm trazer um borrego à primeira barraca e ao primeiro neto. Elas poupam no eléctrico para um carrinho de corda.

3. PRODUÇÃO

Elas sobem para cima de um caixote, que ainda são pequenas para chegar à bancada de descarnar o peixe. Elas mondam, os dedos tolhidos de frieira e urtiga. Elas fazem descer a lâmina de cortar o coiro. Elas sopram nos dedos a aquecê-los, esfregam os olhos, voltam a pôr as mãos por detrás da lente a acertar os fios da matriz do transistor. Elas espremem as tetas da vaca para o balde apertado entre as pernas. Elas fecham num dia as pregas de papel de mil pacotes de bolacha. Elas acertam em duzentos casacos a postura da manga onde cravar o botão. Elas limpam o suor da testa com a manga e a foice rebrilha ao sol por cima da cabeça e da seara. Elas ouvem a matraca de dez teares enquanto a peça cresce diante, o fio amandado de braço a braço aberto. Elas cortam os dedos nas primeiras vinte cinco latas até calejar bem. Elas fazem a agulha passar para cá e lá em cruz na tela do tapete. Elas vigiam a última fieira de garrafas, caladas, à espera da sirene. Elas carregam o cesto de azeitona à cabeça já sem cantar, até que o sol se ponha.

4. SERVIÇOS

Elas carregam no botão da caixa e fazem quinhentos trocos miúdos. Elas metem a cavilha, dizem outro número e passam a vigésima chamada. Elas mexem panelões que lhes chegam à cinta. Elas descem doze caixotes de lixo já noite fechada. Elas fazem todas as camas e despejos de uma família alheia. Elas picam bilhetes metidas numa caixa de vidro. Elas batem à máquina palavras que não entendem. Elas arquivam por ordem alfabética duas mil fichas e vinte e cinco ofícios. Elas vão outra vez buscar a gaveta das luvas para o balcão a ver se há aquele verde. Elas aspiram do pó antes das nove doze assoalhadas, e cento e dez degraus de alcatifa. Elas entram na praça manhã cedo, já vindas do lota ajoujadas com o peixe para as bancadas. Elas acertam as bainhas de joelhos, a boca cheia de alfinetes. Elas põem trinta e duas arrastadeiras e tiram sessenta temperaturas. Elas pintam unhas de homem. Elas guardam sanitas e fazem renda em pequenos cubículos sem janela.

5. TRANSMISSÃO DE IDEOLOGIA

Coisas que elas dizem:

— Se mexes aí, corto-ta.
— Isso não são coisas de menina.
— O meu homem não quer.
— Estuda, que se tiveres um empregozinho sempre é uma ajuda.
— A mulher quer-se é em casa.
— Isto já vai do destino de cada um.
— Deus não quiz.
— Mas o senhor padre disse-me que assim não.
— Dá um beijinho à senhora que é tão boazinha para a gente.
— Você sabe que eu não sou dessas.
— Estás a dar cabo do teu futuro com uns e com outros.
— Deixa-te disso, o que é preciso é sossego e paz de espírito.
— Comprei uns jeans bestiais, pá.
— Sempre dá para uma televisão daquelas novas.
— Cada um no seu lugar.
— Julgas que ele depois casa contigo?
— Sempre há-de haver pobres e ricos.
— Se tu gostasses de mim não andavas com aquela cabra a gastar o nosso. 
— Põe o comer ao teu irmão que está a fazer os trabalhos.
— Sempre é homem.

6. PRODUÇÃO DE DESEJO

Elas olham para o espelho muito tempo. Elas choram. Elas suspiram por um rapaz aloirado, por duas travessas para o cabelo cravejadas de pedrinhas, um anel com pérola. Elam limpam com algodão húmido as dobras da vagina da menina pensando, coitadinha. Elas escondem os panos sujos de sangue carregadas de uma grande tristeza sem razão. Elas sonham três noites a fio com um homem que só viram de relance à porta do café. Elas trazem no saco das compras uma pequena caixa de plástico que serve para pintar a borda dos olhos de azul. Elas inventam histórias de comadres como quem aventura. Elas compram às escondidas cadernos de romances em fotografias. Elas namoram muito. Elas namoram pouco. Elas não dormem a pensar em pequenas cortinas com folhos. Elas arrancam os primeiros cabelos brancos com uma pinça comprada na drogaria. Elas gritam a despropósito e agarram-se aos filhos acabados de sovar. Elas andam na vida sem a mãe saber, por mais três vestidos e um par de botas. Elas pagam a letra da moto ao que lhes bate. Elas não falam dessas coisas. Elas chamam de noite nomes que não vêm. Elas ficam absortas com a mola da roupa entre os dentes a olhar o gato sentado no telhado entre as sardinheiras. Elas queriam outra coisa.

7. REVOLUÇÃO

Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. Eles foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo. Elas ouviram faltar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro urna cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram o braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrebaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam. Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.

Dezembro 1975
Maria Velho da Costa, Cravo, Lisboa, Moraes Editores, 1975

Nogushi I - Léonie Gilmour

On
May 12, 2022

Photo from nogushi.org


Enquanto via o filme biográfico sobre Léonie Gilmour, mãe de Isamu Nogushi e de Ailes Gilmour, pensei sobre os efeitos da sua profunda confiança nos seus filhos e na arte enquanto disciplina da vida.

Cada artista se constrói de alguma forma. Talvez alguns encontrem completa liberdade na arte e outros tenham de romper com tudo o resto para encontrá-la.

“be your own god and your own star.”

Rachel Hine Portraits

On
May 12, 2022



Rachel Hine beautiful and inspiring tapestry work.

Quando nos escolhemos

On
May 12, 2022
 


Aitor Saraiba

On
April 12, 2022


Talvez já tenha partilhado algo sobre o trabalho de Aitor Saraiba no passado. Mas é que gosto mesmo muito do que ele faz. Chega-me directamente ao coração. E para mim arte é isto!

wise woman self

On
April 12, 2022

Tenho pensado sobre o que é ser sábia. Dentro de mim cabe uma jovem de 14 anos e uma anciã. Muitas mulheres me habitam.

E eu lá vou encontrando espaço para que cada uma respire sem que me tire o ar a mim - a que sou Hoje.


Num lugar de transformação ocorrem situações inesperadas, insólitas até. 

Eu, abro espaço para a magia, para o mistério, para o desconhecido. Porque essa é a única maneira de me manter sã.


Escolhi caminhos que à partida não são certos nem previstos. A cada dia constrúo. A cada dia crio. A cada dia digo que sim a mim mesma e ao que me faz feliz - mesmo quando o retorno é uma surpresa ou diferente do que espero.


Há quem me chame corajosa e coisas assim... E é certo que tenho a coragem como valor interno. Como bússola. Mas raramente me sinto corajosa. 

Faço o que tenho de fazer. Faço o meu trabalho. Isso não é extraordinário por si só. É extraordinário, talvez, porque tenho um trabalho que me expande cá dentro, que é extensão de mim, que se prolonga para lá do que quero fazer com ele. E é extraordinário ter paz na maior parte do tempo, porque escolhi estar em paz e estive disposta a perder algumas coisas em troca disso. 

Não há sempre contrapartidas, não acredito nisso. Mas até agora foi essa a experiência que tive e que aceitei ter sem pestanejar nem ter dúvidas por um segundo que não há como fugir do que é meu - do que me espera. E por esse privilégio - de ir ao encontro de mim - eu entrego-me sem medos.


Building a Slow Home

On
April 12, 2022


Cada vez mais sonho em ter um espaço onde possa projectar no dia-a-dia vivências parecidas com as que tenho para os outros. É um sonho mas acima de tudo é uma possibilidade - assim é a partir do momento em que o vou cultivando também fora de mim.


Acho que chegou a hora de ir partilhando um pouco do que estou a visualizar. Pode ser que a partir daqui comece a construir-se ainda mais profundamente um lugar que é de todos os que quiserem fazer parte dele.

Onde está a paz?

On
March 05, 2022

Tenho-me perguntado: 

Onde está a minha paz? Se o que se passa fora será também reflexo do que sinto, vejo, faço, a cada instante do meu dia?


Onde está a paz, quando me exalto, sinto raiva, vontade de gritar, partir coisas ou perco a cabeça?

Onde está a paz quando não sinto compaixão e só desejo levar a água ao meu moinho e ter todas as razões do mundo?


Quero viver num mundo melhor. Sim. Mais pacífico. Onde as mulheres não sejam usadas como arma nem as crianças como escudo.

Quero que os homens não tenham vergonha de sentir. 

Que poder seja sabedoria e não controlo.


Na prática, não sei como fazer paz. E muitas vezes espero que os outros me ensinem, me mostrem os caminhos. Mas ninguém sabe como - é o que pressinto.


Resta-me em cada momento de guerra escolher o coração. Ter calma (ir ter c(om a) alma. 


No final de tudo, o tempo passa e como diz a Mary Oliver: 

"Se de repente e surpreendentemente encontrares a alegria, não hesites. Rende-te. 

Há muitas vidas e cidades inteiras destruídas ou prestes a serem. 

Nós não somos sábios e nem muitas vezes gentis. E muitas coisas não podem ser redimidas. Mesmo assim, a vida ainda tem algumas possibilidades. 

Talvez esta seja a sua forma de ripostar - que às vezes alguma coisa aconteceu melhor do que todas as riquezas e poderes do mundo. 

Pode ser qualquer coisa mas muito provavelmente deves ter notado no instante em que o amor começou. De qualquer forma, esse é muitas vezes o caso. De qualquer forma, seja o que for, não tenhas medo da sua abundância. A alegria não foi feita para ser uma migalha."

Quando a fantasia de desmancha

On
February 22, 2022

Há cerca de 2 anos tive uma conversa com uma amiga. A conversa deixou-me tensa e zangada mas na época não consegui perceber exactamente porquê. 

Um dos temas que abordámos era o da "fantasia" como escape. A fantasia que é fruto da expectativa, da ansiedade de se querer viver algo mesmo que isso esteja desconectado da realidade. A fantasia que extrapola o possível. A fantasia que se desmancha e que no fundo nunca passou de uma ilusão.


A verdade é que muitas vezes é difícil entender o que é de facto a fantasia até esta se desmanchar - são os tais banhos de água fria. 

No entanto, tenho percebido - apesar da dita conversa - que não me importo nada de acreditar em coisas que estão além da realidade e do presente porque muitas vezes é aí que a minha fé assenta. No improvável. No desconhecido. No que ainda não é - quem sabe nunca irá ser.

Querer algo. Ou ter a expectativa de que algo aconteça é para mim um motor. É o que tantas vezes catalisa a mudança, o trabalho ou o meu compromisso com algo ou alguém. 


Às vezes a Eva ralha porque gostava que as coisas fossem de uma determinada forma. Digo-lhe para ela confiar e ela, invariavelmente, no meio da sua frustração, responde-me que não. 

A minha resposta é então só uma: na vida ou temos fé ou temos um plano. 

Não sei se é mesmo assim. Também estou a descobrir. Mas percebo que, ter um plano ou ter fé são ambos uma fantasia na medida em que nenhum dos dois ainda se concretizou... No entanto, não sabendo de facto nada, acho que é preciso acreditar que tudo é sempre possível. 


"O sonho comanda a vida"? Para mim, sim! Tanto quanto tudo o resto. É essa a base da esperança.


Olhar o futuro. Imaginá-lo. Não me retira do presente. Porque enquanto respiro estou presente. E o futuro desenha-se mesmo quando não perdemos tempo a sonhá-lo. Mas eu acredito que é preciso lembrar que, às vezes, fantasia, é mesmo só uma visão do que pode de facto acontecer. Isso é como uma candeia que me acende o caminho.


Continuo a preferir um sonho desmanchado, uma caça ao gambuzino, uma fantasia, do que uma vida sem mitos, sem coisas impossíveis, sem pai natal :)



The art of reparation

On
February 22, 2022

 


Toast Magazine



Bookhou

Improvisational Patchworks

On
January 24, 2022

 



Celebrating irregularity, spontaneity, asymmetry and imperfectness.

Flores - by Sonal Nathwani

On
January 17, 2022




I love her work.

You can find it here.

Canção do tear celeste

On
January 10, 2022

 


Bichos como eu

On
January 06, 2022


Das coisas que mais gosto de fazer é enfiar o nariz na pele dos meus gatos. 
São uma espécie de receptáculos de amor. E eu, que nunca tive animais de estimação, vejo-me agora rendida aos seus gestos lânguidos. Derreto-me de cada vez que se alongam. Não resisto aos seus desmaios de amor por mim - deitados no chão quando chego a casa, de barriga descoberta para festas sem fim. 

Não sou dada a grandes reflexões sobre eles - sobre se são ou não família e essas coisas que as pessoas costumam dizer sobre os bichos.


Quero só que sejam felizes.


A vida é curta - a deles ainda mais. Mas o tempo não me chateia nada. Quero dizer: não me preocupa.

Qualquer que seja o tempo que tenho com eles é precioso. E chegará, certamente. Porque foi bem vivido.

Tecedeiras

On
January 05, 2022



"As mulheres são as fiandeiras e as tecedeiras; somos nós que giramos os fios e os transformamos em significados e padrões. Assim como os bichos-da-seda, criamos fios a partir da nossa própria essência, retirando as fibras fortes e finas dos nossos próprios corações e úteros. É hora de fazer novos fios; tempo para fortalecer as arestas selvagens do nosso próprio ser e tecermo-nos de volta para a nossa cultura. Uma vez que conheçamos os padrões que tecem o mundo podemos juntá-los novamente. As mulheres podem curar a terra estéril. Nós podemos refazer o mundo. É o que as mulheres fazem. Esse é o nosso trabalho."
Sharon Blackie

Half empty means that there is space to be filled.

On
January 05, 2022


Para mim o Natal é perceber o que quer nascer. O que quer viver. E o que é estar vivo. 


Indo ou não ao encontro de outros. Estando só ou acompanhado. A oportunidade de criar é sempre nossa.
Ao sentar-me numa mesa cheia sinto simbolicamente as necessidades que tive oportunidade de preencher. E isso faz-me sentir agradecida porque com mais ou menos dificuldade fiz o meu trabalho e esse trabalho deu frutos. Mas o melhor presente este ano foi ter aprendido a ficar mais em paz com a "mesa vazia". O espaço que contempla possibilidades sem fim. 


Fazer muito com pouco é uma arte que tenho vindo a aprimorar.

Acho que sempre tive em mim a capacidade de olhar beleza e recursos onde outras pessoas vêem escassez, lixo, coisas feias. Talvez porque tento não ficar presa a construções ou identificações demasiado fixas sobre as coisas. Quero descobrir o que é cada coisa na sua forma essencial, profunda, íntima.

Os finais de ano trazem-me sempre uma sensação estranha de solidão. Recapitulo espontaneamente o ano que passou. Aquilo que marcou mais uma passagem por este mundo.


Mas como diz a Marlee Grace: "YOU DO NOT HAVE 2 REFLECT OR PLAN. You can go your own way... I’d really like to just have today. I want to just be in today, pay attention to today, and have fun today."


Os planos são mapas. Mas acho que nunca fiz nenhuma viagem com o mapa na mão. (Está sempre guardado dentro da mala.)
Então, a minha única reflexão importante para este ano é só esta: quero mesmo continuar a nutrir esse prestar atenção ao hoje. Ao agora. O resto vai-se desvelando com o caminho.

Freedom - feeling grateful for another day

On
January 05, 2022


Sou pela liberdade.


Em momentos em que paira no ar a ameaça de que a minha liberdade poderá condicionar a dos outros, para mim é importante perceber se isso é mesmo assim. 

O que é mais egoísta? Qual das partes perde de facto mais liberdade? Que evidências existem de que há uma liberdade perdida?


Acho mesmo desafiante estar num lugar de compaixão, de respeito pela comunidade e pelo todo sem observar as partes.


A ética - entender na pele que não posso fazer ao outro o que não quero que me façam a mim - é o expoente máximo da empatia.

E a empatia tem a ver com uma identificação com o outro (quase uma repetição em voz alta do que outro sente e diz) que implica ser capaz de largar percepções e experiências pessoais. Implica, Ser o outro por alguns instantes - como numa peça de teatro. 


Aconteça o que acontecer, sou pela liberdade! E nisto não acho ser possível darmos a nossa vez, qual jogo das cadeiras em que quem vai ao ar perde o lugar.


Coação não é liberdade, vitimização não é liberdade, culpa não é liberdade... e na minha visão, a coisa mais importante de todas: Medo não é liberdade!


Desde há cerca de 2 anos que sinto que a minha liberdade não é completamente minha. E isso é estranho. Porque é quase como se tivesse que ter uma autorização para continuar a existir. Mas por outro lado também percebi que conquistei muito do que sou e do que tenho. Que construí um espaço que me permite ser livre mesmo que a liberdade enquanto conceito social deixe de existir. E que isso é um privilégio sem preço.

Assumo-o e aproprio-me desse privilégio porque acho que não há melhor maneira de honrá-lo.


Os anos passam e eu cada vez mais quero ser mais árvore, mais pássaro, mais gato. Mas sou humana. Esses quereres não passam de símbolos de coisas que quero materializar neste planeta Terra - ser firme, ser livre, ser aquilo que se vê. Raízes fortes, estáveis. Capacidade de dormitar ao sabor do dia, sem pressas. Voar com as minhas ideias. Ter sonhos.


Então, no fim, o que é ter-se a liberdade como se esta fosse uma coisa?

Para mim é só isto: "Vejo-me ao espelho e penso que ainda estou viva por mais um dia... Poder ter mais um dia para desfrutar da minha vida."


Não há nada mais simples. E simplicidade para mim é tudo.