O nascimento da minha filha não foi traumático. Não me marcou de nenhuma forma negativa. Não me incapacitou de nada. Não me fez sentir só ou desamparada. Não me retirou poder. Não me roubou qualquer espécie de confiança.
No meu parto, eu servi apenas a Eva. E as restantes pessoas presentes serviram-me apenas a mim. Isso, tenho pena, parece ser um privilégio.
Acho que ser mãe, desde que me lembro, é daquelas coisas que nunca duvidei que quis ser. E quando finalmente engravidei, eu estava pronta. Sabia exactamente o que queria e fiz tudo o que esteve ao meu alcance para conseguir ter um parto com o mínimo de instrumentalização possível.
Com cerca de 8 meses disseram-me que com a minha Talassemia - anemia congénita - teria de ter o bebé no hospital. Na época vivia em Inglaterra e a minha ideia era ter o bebé num birth center. Telefonei para a minha médica em Lisboa e ela deu-me segurança dizendo que o meu corpo estava e está habituado a viver com anemia e que faria o meu parto em Lisboa caso fosse essa a minha escolha.
Não pensei mais sobre o assunto. Metemo-nos num carro e viajámos durante uma semana. Cruzámo-nos com várias pessoas que achavam que eu teria o bebé a qualquer instante dado o tamanho da minha imensa barriga. Mas chegámos bem. E naquele momento parecia mesmo que a Eva estava também a apoiar a minha decisão.
Mentalizei-me que acontecesse o que acontecesse eu estaria disponível para receber a Eva sem anestesias, nem cortes, nem oxicitocina na veia. Vi documentários, li sobre o assunto, combati o medo da dor como pude. Sabia que ter confiança era só a ponta do icebergue e como tal sinto que fiz só uma pequena parte. O resto, deixei ir - entreguei ao mistério da vida.
As pessoas à minha volta diziam-me que não seria capaz e eu chegava a casa e fazia desenhos e afirmava para mim mesma que não havia nenhuma razão para não ser. Acreditei em mim e sobretudo acreditei que esta era a melhor maneira de ter a Eva. Eu ia dar-lhe isso. Ia dar-me isso. E ia ter fé no meu corpo.
Mesmo que quando o momento chegasse desse tudo para o torto, até lá eu escolhia acreditar.
A Eva foi um bebé grande e eu sou uma pessoa pequena. Tive no total 19 horas de trabalho de parto. Houve momentos em que achei que ia morrer e que não seria capaz. Duvidei de tudo o que previamente tinha acreditado. A dor era insuportável e parecia que estava a ser serrada em 2 (não estou a exagerar). É verdade que podia ter corrido tudo mal porque essa alternativa está sempre disponível. Mas o corpo permitiu. A Eva quis assim. E ao meu lado tive um homem que deu tudo dele - na mesma proporção que eu - para garantir que eu me sentia segura e absolutamente suportada nesse momento.
As pessoas que me acompanharam falaram baixinho. A luz era suave. E se houve algum momento de dúvida ou insegurança por parte de quem estava presente, ninguém o partilhou comigo. Tive as condições certas para poder estar o mais relaxada possível numa situação que à partida é bastante íntima, intensa, profundamente instintiva e até selvagem.
A água ajudou. O pano pendurado no tecto ajudou. Não tocarem em mim sem o meu consentimento ajudou. Ter o Bruno presente ajudou. Poder beber água e comer ajudou. Dizerem-me que estava a fazer tudo bem ajudou. Confiarem em mim ajudou. Tirarem-me o cabelo dos olhos ajudou. Estarem apenas concentrados em mim ajudou. O silêncio ajudou.
Talvez nunca tenha escrito sobre isto porque me sinto uma sortuda. E isso faz-me sentir um bocadinho envergonhada.
Cada mulher deveria ter a possibilidade de desenhar o seu parto de sonho. Porque isto é tudo natural mas individualmente é uma experiência única e avassaladora. Que deixa marcas para sempre.
Quando estava quase a terminar e à medida que a dor ficava mais forte começou a correr um filme na minha cabeça. Sentia uma ligação. Uma empatia gigante. Como se a dor estivesse a abrir um espaço dentro de mim - não só para a Eva mas para outras coisas emergirem. Talvez pareça estranho e confuso mas eu estava só a surfar uma onda - cada contração era uma possibilidade de encontro: comigo, com a Eva, com todas as mulheres que já pariram.
Naquele momento, estava tudo tão claro. Eu queria desistir mas não podia. Queria poder controlar qualquer coisa mas nada estava mais nas minhas mãos. A única coisa que era realmente importante era deixar-me atravessar pela experiência. Respirar. Gritar. Imaginar um mar que ia e vinha. Lembrar-me que a cada instante ficava mais próxima da minha filha.
Não posso dizer que tenha sido fácil porque não foi.
E não acho que as minhas circunstâncias pudessem ser as ideais para todas as mulheres. Mas foram as ideais para mim e por isso estarei sempre muito grata.
Há sempre um factor de risco, seja num parto domiciliar ou num parto hospitalar.
Gostava que a minha experiência pudesse servir outras mulheres de forma positiva porque um parto na água não tem de ser uma excepção ou coisa de freacks. No meu ponto de vista deveria ser apenas mais uma possibilidade.
No fim de contas acredito que todas escolhemos aquilo que nos faz sentir mais seguras.
Eu fiz uma escolha e fui respeitada.
Em qualquer situação, creio que isto é o mínimo que se pode dar ao outro.
Despeço-me como posso.
Talvez não tenha feito ou dito o suficiente. Talvez pudesse ter sido mais presente ou mais atenta. Ou talvez tenha apenas que me tranquilizar porque morrer é parte de estar vivo e, independentemente das circunstâncias, cada partida é um início de outra coisa qualquer.
Vejo muitas vezes manifestações públicas de afecto (como esta) e penso que quero tornar visível o quanto gostava destas pessoas. A sua integridade e a forma como marcaram o meu caminho. Só que o silêncio parece-me sempre mais digno do que as palavras.
Hoje venho aqui apenas porque o Shima - se fosse vivo - fazia anos amanhã.
Fiz muitos planos com ele no coração. Imaginei uma viagem até à África do Sul para o visitar, que nunca chegou a acontecer. Nunca lhe apresentei a Eva. E, do que ele me deu, resta-me apenas a memória do almoço de despedida que fez quando saí do Brasil.
Somam-se os momentos de dádiva, partilha e amor. Mas não sobra mais nada. É tudo pó.
(Digo isto cheia de saudades e de pena - porque nesta vida não terei nem mais um encontro com ele. E isso é, para ser franca, tudo o que realmente me entristece na morte.)
Tenho uma profunda fé de que a importância da vida de alguém é proporcional à sua capacidade de amar e de ser amado. E que é isso que define o futuro (qualquer que seja o futuro de quem morre) - tenha essa pessoa optado por não viver mais ou tendo o seu tempo terminado sem aviso prévio/ abruptamente.
Confio no amor que sinto e por isso sei que, algures no espaço sideral, está um Shima em paz. Essa é a minha oração.
Nos últimos anos tenho-me despedido de alguns amigos. E vou honrando as suas histórias tentando que a minha faça sentido.
Não sei nada. E aceito o mistério. Mas de cada vez que perco o pé lembro-me que nada dura para sempre. Que o amanhã é virtual. E que por isso, é preciso estar em verdade. Inteira em cada movimento - pelo tempo que restar.
"Parto rumo à maravilha
Rumo à dor que houver pra vir
Se eu encontrar uma ilha
Paro pra sentir
E dar sentido à viagem
Pra sentir que eu sou capaz
Se o meu peito diz coragem
Volto a partir em paz"
É muito estranho ter estes amores platónicos por pessoas e coisas que nos aparecem no ecrã. Como se cada história estivesse no fundo a ser sussurrada ao meu ouvido mas do outro lado a pessoa não soubesse realmente como é que isso está a acontecer.
Quando falamos de caminhos que se cruzam pensamos sempre que existem 2, pelo menos. Mas nestes casos não há como escapar à minha própria invisibilidade - um ver-se sem se ser visto. (encontro uma tristeza qualquer nisto... nesse cruzamento que só acontece pela metade).
Em todo o caso :) Aqui, numa época em que o mundo acabou sem ter de facto acabado, vemos representados um jovem adulto, que nunca conheceu outra coisa e que talvez por isso preserva uma inesgotável fé e pureza. E um homem, que por já ter vivido tudo, sente que já não há nada mais a perder. É de uma entrega que me esmaga o coração.
Lua cheia em carneiro.
E eu com ascendente carneiro e lua em carneiro. (E uma TPM do além a bater à porta.) E tanta coisa a acontecer do. outro lado (em balança).
A sentir a emergência do agora. Do "já", a gritar cá dentro. Num fogo que queima o sangue todo.
Não há maneira de escapar ao imediato. E na relação com o outro, é impossível ficar refém.
Porque tudo se expande e se contrai em simultâneo, sem espaço para a rendição. No fundo, como a batida de um coração - um ritmo e uma pulsação que se parar, mata.
Então, resta viver a luta inevitável. Esse estar à flor da pele. Como que em carne viva.
(O corpo só consegue entregar-se ao mais básico do que é ser-se humano.)
Mas para quem decidiu viver sem esforço isto é tudo demasiado... A mente activa a fragilidade do ego - que em toda a sua potência se reconhece incapaz e vazio de força.
Assim estou hoje.
Há momentos para fazer e momentos para pousar. Demorei muito tempo a reconhecer em mim a necessidade de corresponder a esta ciclicidade. E respeitá-la, mesmo que indo contra as minhas próprias crenças de certo e de errado.
Tenho a sensação de que o tema do desenvolvimento humano é uma tendência actual. E se, por um lado, acompanho esse movimento colectivo, por outro, o meu desejo é sempre ir na direção do que é ainda desconhecido.
Nos últimos dias tenho sonhado com dimensões mágicas. Lugares ancestrais, secretos e de difícil acesso.
E realmente, na sequência de recentes aprendizagens, acedi a um novo patamar. No último mês desisti de 2 trabalhos - um deles com o qual estava bastante comprometida e que gerou imenso desconforto nas pessoas com quem não assumi o compromisso. Outro que decidi deixar depois de apenas 1 dia de experiência. Nenhuma destas coisas me seria natural no passado. Primeiro, porque acho que nunca fui capaz de deixar ninguém pendurado. Segundo, porque não me lembro de alguma vez ter desistido de algo sem lhe dar uma segunda oportunidade. Terceiro, porque o grande motivador para dizer Sim a estas situações era apenas um - dinheiro. E "precisar" dessa segurança poderia bastar para aceitar fazer algo deste género neste momento.
Na minha visão, desenvolvimento humano é desafiar-me a fazer coisas aparentemente impossíveis mas cujo último objectivo é uma ligação primordial ao meu instinto e à minha intuição.
Não precisando de ser escravo disto mas desejando um pouco de coerência: Qual a razão para querer estar em lugares onde não sou bem-vinda? Querer pessoas que não me querem? Continuar a alimentar situações e/ou relações em que não me sinto respeitada?
No meio destas tomadas de decisão é claro que descubro uma complexidade. No querer ser a melhor versão de mim esqueço-me dos silêncios, dos vazios, da beleza de ficar parada. E nessa contradição entre o querer tudo e o não querer nada acho que o caminho é navegar o fluxo da vida - como uma onda. A afinação acontece quando consigo responder com sinceridade à pergunta: onde é que está a minha paz? Nesse instante, as dúvidas dissipam-se todas. Porque só aí é que consigo despojar-me das coisas que eu acho que sei ou que acho que acredito ou que acho que preciso. Das opiniões, das lições, dos medos... tudo coisas que por vezes são válidas mas que é preciso abrir espaço para a possibilidade de não serem.
Nunca achei importante guardar coisas só para mim.
Gosto de escrever e gosto de partilhar. É algo que me conecta não só comigo mesma mas que também é uma forma pacífica de estar próxima dos outros.
No entanto, ultimamente, tenho sentido necessidade de cultivar um maior espaço de intimidade comigo mesma.
Talvez a partilha nas redes sociais me "roube" a interioridade que preciso neste momento. Talvez ande numa fase recolectora (em que quero estar em observação, recolha e pausa em vez de acção). Talvez a constante partilha de informação, os reels e a sensação de ruído que tudo isto me traz, esteja a retirar-me energia e vontade de partilhar desta forma.
À minha volta, muitas pessoas sentem-se deprimidas ou frustradas com esta onda avassaladora de conteúdos. Sentem que não são ou que não fazem o suficiente. Então pergunto-me se faz sentido darmos voz a coisas que não nos acrescentam - mesmo que as motivações para o fazermos pareçam tão fortes como "o meu negócio precisa disto."
Ontem à noite, enquanto adormecia a ouvir o Tadashi Kadomoto, fiquei a reflectir sobre motivação e a relação que esta tem com o apego. O precisar - seja do que for, talvez seja uma ilusão. Mas, acima de tudo, fiquei a considerar as motivações secundárias que me levam a achar que preciso de fazer algo de uma determinada forma para chegar onde quero.
A motivação secundária, apesar de intrínseca - relacionada com desejos e impulsos internos ou coisas que desejamos fazer sem pressão externa - visa conseguir o bem-estar através de outras pessoas. Alguns exemplos de recompensa são:
- A sensação de segurança
- O respeito
- A sensação de relevância
- O reconhecimento social
Isto parece-me bastante complexo e sem dúvida que não tenho receitas. Para mim, nesta constante auscultação que faço das minhas necessidades, sinto que para estar em verdade preciso de partilhar sem ser a partir de um lugar de escassez - de um precisar de algo. Sinto que as minhas motivações têm de estar afinadas com os meus valores e com os valores das minhas marcas. E isso é uma busca. Não tenho que escrever todos os dias. Não tenho de preocupar-me com algoritmos - nada contra quem se preocupa. Não tenho que ficar presa à ideia de que só existe uma forma de fazer algo acontecer. Tenho de procurar a minha forma. A forma que vai servir a maior parte das minhas necessidades - mesmo que não sirva todas.
Para quem está a passar por este fenómeno de se sentir assoberbado por excesso de conteúdo, faça uma pausa. Procure alternativas. Nem que seja, pagar a alguém para fazer isso por si. Para mim o truque é estar no Flow (falarei noutra altura sobre isto). Em todos os momentos e em todas as situações, estar sempre alinhada com o que o meu corpo me comunica.
Hoje enquanto ouvia uma amiga falar sobre a necessidade de olhar para o todo fiz uma check list interna dos prós e contras de olharmos para o nosso próprio umbigo.
(Acho importante explorar esta coisa do egoísmo com mais profundidade.)
Não necessariamente deixamos de servir o todo por servir apenas a parte.
Acredito que ao focar a minha atenção em mim também estou a colaborar com o resto.
Não creio que a crítica do outro seja olhar para o próprio umbigo - parece-me ser precisamente o contrário. Quando eu coloco a minha atenção fora escudo-me de reflectir sobre as razões para ter tido a necessidade de criticar.
Achamos habitualmente que as pessoas que são egoístas são as que só pensam nelas próprias mas eu tenho chegado à conclusão de que se todos pensássemos mais em nós próprios talvez abrandássemos a necessidade de pensar tanto sobre os outros.
Quando eu decido não fazer nada estou numa ação. A ausência do movimento e a pausa também são escolha.
E a reação - aquela atitude "fight or flight" que está tão presente nos tempos que correm - exacerbada pelo medo, pelo desconforto e pela solidão, parece-me acima de tudo uma luta interior.
Na maior parte das vezes, quando acho que alguém está a ser egoísta, estou apenas triste e desapontada porque gostava que aquela pessoa tivesse as minhas necessidades em consideração (mas se for sincera comigo mesma, será que isto não é também um pouco egoísta da minha parte? :))
Estamos todos juntos num comboio em andamento. Nalgum momento podemos ter a tentação de pular fora e fazer o nosso caminho sozinhos - talvez a maior liberdade seja acreditar que essa possibilidade existe. Mas se estamos fora, mais cedo ou mais tarde, acabamos por perceber que ao sairmos de um lado estamos apenas a entrar noutro. Que esse fora e dentro são uma mesma coisa.
Cada vez mais me parece ilusório acreditar em dualidades. Achar que há diferenças reais entre as coisas quando o que muda é simplesmente a forma. Isto também se aplica a nós - humanos.
Não sei se devemos estar tão agarrados a definições de bom e de mau. Egoísta versus solidário, empático, compassivo. Digo isto estando eu bastante agarrada a muitos destes conceitos, ok?! Mas se tudo é amor - até o vazio. Até a ausência. Então o que sinto que está vivo em mim agora é: Sim! Olhar para o umbigo. Olhar para a parte. E nessa entrega, servir o todo.
Proteção. Arma. Vertigem.
Sobre perder o corpo na viagem da vida. O que se parte e o que se cristaliza. O orgasmo e o desaparecimento. O que se é através da experiência de ter um corpo. A forma como nos materializamos no mundo. E a possibilidade de nos desmaterializarmos mesmo estando aqui, com ossos, pele, músculos.
Tudo isto é lindo. De uma sensibilidade avassaladora.
Dá vontade de chorar.
Talvez em algum momento da vida todos nos confrontemos com a questão do valor próprio - quanto é que vale algo que faço. Mas no fundo talvez a pergunta seja "quanto é vale aquilo que sinto ou aquilo que sou?".
Isto poderia desembocar numa reflexão sobre egos mas o que gostava de trazer é mais sensível do que isso.
Sempre tive muita dificuldade em atribuir valores aos meus trabalhos. Trabalho por conta própria há cerca de 10 anos mas se for honesta comigo já tinha esta dificuldade antes disso. Consigo perceber que umas meias de uma determinada marca custem 40€. Aceito esse valor e não contesto. No entanto, quando toca ao meu trabalho, ouço imediatamente o meu crítico interno - o medo de não ser compreendida. A vergonha de estar a ser demasiado ambiciosa ou de ferir susceptibilidades alheias. Como se o valor que coloco em algo pudesse fazer o outro sentir-se inferior por não puder comprar... Isto parece algo rebuscado mas, se me manter curiosa, consigo perceber que tem a ver com uma necessidade simples. A necessidade de ser acessível - de equidade. De todos podermos (quem sabe, utopicamente) aceder às mesmas coisas.
Ao colocar preços mais baixos do que considero justo resolvo esta necessidade. Mas em boa verdade não resolvo muitas outras.
Talvez "equidade" tenha sido sempre uma prioridade na minha vida. (Não irei aprofundar isso agora.)
No entanto, quero explorar o facto de que: ao dar predominância a algo não consigo ver a big picture.
Acho curioso que nos últimos tempos tenho tido imensa dificuldade em ver ao perto. Ou seja, só consigo ver algo quando está a uma relativa distância dos meus olhos.
Ao ganhar perspectiva percebo que posso ter acesso a uma mesma necessidade de várias formas diferentes. Que equidade é algo que posso conseguir de muitas maneiras sem que para isso seja preciso comprometer quase tudo o resto - como tenho feito até aqui.
Seja um objecto ou seja uma emoção, quantificar o real valor de algo tem que assentar na soma de todos as necessidades envolvidas.
Para terem acesso a uma lista de necessidades podem aceder aqui.
No design, muitas vezes, o tempo de vida de um produto é limitado. Às vezes é construído para ser assim. Ou porque deixa de funcionar passado pouco tempo ou porque o novo é a tendência dominante.
A democratização dos bens e dos serviços construiu uma oferta de coisas que se consome a si mesma. A "acessibilidade" e a sensação aparente de que não é preciso usar muitos recursos para se ter muita coisa constrói um vazio - acabamos por perceber rapidamente que o que é necessário já não é, que pode ser substituído, que está ultrapassado ou que não é bom porque é "velho".
Eu, no entanto, tenho sentido cada vez mais que o que é realmente novo é precisamente o velho. Que o que me interessa é perceber o que funciona no passado. Preservar e cuidar do que já existe. Tal como está ou transformando-o.
O que me inspira nos objectos é a sua capacidade de viver no tempo. Porque com as coisas, tal como com as pessoas, são precisos compromissos. E isso faz falta.
Por essa razão, pego no desperdício têxtil de marcas que gentilmente colaboram comigo e transformo-os noutras coisas. Coisas que por terem sido feitas com amor, usando ferramentas ancestrais que muitas vezes nem sequer precisam de electricidade - como o tear manual, ultrapassam qualquer ideia de moda e vivem por si próprias.
Acabo sempre por ir ao encontro das coisas e das pessoas que são como eu. Que põem em palavras coisas que sinto. Que se vestem como eu gostava de me vestir. Que dão abraços melhores do que eu. Que elevam, talvez, aquilo que no fundo já sou.
Tenho a sensação que somos todos um bocadinho assim.
Porque, é fácil encontrar justificações para continuarmos a ser de um determinado jeito. Há informação que chegue. E sempre alguém que acredita no que já acreditamos.
Houve alturas em que achei que o que realmente me faria mais rica era rodear-me de pessoas diferentes de mim - para poder ter acesso a mais ângulos. Mas com o tempo comecei a sentir-me desconfortável. E a perceber que isso era algo que me pesava e que me impossibilitava de investir verdadeiramente em quem eu sou.
Num esforço constante para caber, adaptar-me e crescer, num ambiente que, no fundo, era inóspito - como plantas antagónicas que em conjunto se inibem mutuamente.
Por exemplo, no outro dia estava com uma amiga que dizia "a vida é muita dura!". E fiquei a pensar se acredito nisso. As minhas ideias são minhas - têm a ver com os significados que retirei das experiências que tive.
(Tal como as dela.)
Acho importante pensar sobre o que retiro realmente das experiências dos outros. Não entrando em fusão com isso. Construindo dentro de mim um limite qualquer que não me separe mas também não me iniba de saber no que acredito de facto.
Parece-me que estamos a viver uma época em que tudo é extremamente pessoal. Identificamo-nos com certas coisas e temos necessidade de criticar outras porque de alguma forma nos ofendem - mesmo que nunca tenhamos sequer conhecido a pessoa em questão. Fico incomodada com isto e penso que no fundo não sou assim tão diferente destas pessoas. Percebo que a falta de empatia me ofende. E se, por um lado, isto me dá vontade de rir. Por outro, é um assunto sério. É algo que preciso de olhar.
Afinal, onde está a minha empatia pelos não empáticos? E será que existem pessoas não empáticas? Ou será que simplesmente não sentem empatia pelas mesmas coisas que eu?
É assim para qualquer característica que temos, parece-me.
A maior arrogância é achar que sou melhor que o outro quando no fundo ele é só diferente de mim.
Essa auscultação tem sido ultimamente o meu tema de reflexão. A consciência do que sou. Não através dos espelhos que o outro me dá mas através daquilo que são as armadilhas de achar que a minha forma é a forma certa.
É impossível evitar a convivência com pessoas que não são parecidas comigo, que acreditam noutras coisas ou que têm outra forma de gerir os mesmos assuntos. Não creio que isso seja um problema ou uma coisa má. Mas às tantas tenho percebido que o grande truque é restringir o meu diálogo. Aceitar apenas o que a pessoa está a trazer com ela e não impor ao outro a minha perspectiva. Se tiver necessidade de partilhar algo, que não seja a partir de um lugar de superioridade ou dominância. É difícil ter esta humildade quando tenho ideias tão fortes sobre algumas coisas. Mas é este o caminho que quero fazer. Menos quereres. Menos certezas. Menos opiniões. Quero sim, ser mais responsável com as minhas "verdades". E nesse percurso, ir reconhecendo sempre que não sei nada. Só assim posso realmente compreender o outro.
Vejo muita coisa. E muita coisa que não vale a pena partilhar. (A televisão sempre foi um escape e uma companhia.) Nos momentos mais tensos refugio-me em coisas leves - que me permitam um repouso emocional e mental. Mas nos últimos tempos voltei a estar disponível para coisas mais profundas.
Ontem apanhei este filme no canal hollywood e fiquei surpreendida com tudo. A reflexão sobre a vida, a morte, o que é ser jovem, como nos entregamos à velhice. Os sonhos que se transformam. O olhar sobre as coisas. São coisas sobre as quais penso muito e acho há uma magia qualquer em ver as coisas sobre as quais penso reflectidas por outros e colocadas em imagens - transformadas em história.
Seria tão difícil explicar estas coisas se me pedissem. No entanto, aqui estão elas.
Tenho andado muita envolvida comigo. Não sei se é bom ou mau mas às tantas é apenas aquilo que é.
Para o ano faço 40 anos e já ando a antecipar de alguma forma esse momento. Entre as minhas queixas, neuroses, irritações, coisas que me chateiam ou preocupam e tudo o resto que me traz paz, fico aí no meio, a tentar achar tudo espantoso porque se calhar é mesmo, eu é que ainda não cheguei lá.
Há um tempo qualquer para cada coisa. Um tempo que se ocupa de si sem que eu controle nada. Esta percepção colocou-me em contacto com uma liberdade que não conhecia. E então percebi que só me resta render-me a cada momento sem querer moldá-lo às ideias que tenha sobre ele. Não quero dizer com isto que já não me importo com nada. Quero dizer que os caminhos têm que ser feitos dentro, antes de poderem ser percorridos fora.
Portanto, agora sou uma exploradora, caminhante virtual, descobridora de percursos invisíveis.
Nunca como antes dependi tanto de mim mesma. E isto é um susto. Mas nesse medo ou na consciência desse medo vão-se abrindo os tais caminhos. Deixo que me atravessem uma série de coisas que antigamente me esforçava imenso para mudar. Rendo-me (lá está!)!
Sempre tive muita força e isso por qualquer razão incapacitou-me de uma série de coisas. Achei que podia empurrar tudo com a barriga, que estava safa de melodramas, que tinha sempre escolhas e que nada era de facto irreversível. Enganei-me um bocadinho nalgumas coisas e por outro lado as outras pessoas acharam sempre que essa força me tornava destemida e invencível - o que não é verdade.
Do outro lado da força existe uma sensibilidade muito grande que me destrona. Fisicamente, sinto-me muitas vezes ir ao chão. Mas é nesse ir ao chão que está uma grande beleza. (Demorei anos a aprender isto.) É nesse ir ao chão que sigo em direção às profundezas das coisas.
Há sempre um medo muito grande em permitir-me sentir os vazios. Esforço-me muito. A todo o custo, para continuar a resolver tudo e a chegar a todo o lado porque uma parte de mim ainda está agarrada à crença de que não se consegue nada sem luta. Não é verdade. Na ausência de resistência constrói-se uma leveza. E eu busco isso.
Tenho metas e sonhos e coisas que gostava de concretizar mas cada vez mais vou sentido que é no que faço agora que está a maior poesia. Já não quero dizer "um dia de cada vez". Acho que prefiro "um minuto de cada vez", "uma hora de cada vez". Um dia é muito tempo. Porque essas ideias dão-me esperança e alegria mas também me sufocam. Porque sinto que se não chegar lá é porque devo ter falhado qualquer coisa.
Vou-me então despojando destes artefactos emocionais que andei a cultivar toda a vida. Agarro-me a coisa nenhuma - como se estivesse no mar. E deixo que a vida me encontre.
Não quero perseguir nada. Estou muito cansada de quem sou nesse lugar de constante apropriação de tudo o que me acontece ou deixa de acontecer.
A única missão que tenho neste momento é: aprender a confiar.
Penso muito sobre a Verdade. E falo sobre ela também. Nesse processo, confesso agora: ajo com pouca verdade. No que é realmente importante ou sério, escondo-me e repito o que sempre fiz para evitar qualquer tipo de confronto ou constrangimento maior.
Talvez algumas pessoas achem que só faço aquilo que quero. É verdade que sempre foi assim um bocadinho. Ou seja, sempre estive muito atenta à minha bússola interna e com mais ou menos apoio dos outros, fui seguindo os caminhos que me faziam sentido. Mas um bocadinho não é Tudo. E sendo assim, sinto que ainda estou a viver pela metade.
Há coisas que me preocupam imensamente. Ressentimentos que alimento e que me consomem. Ansiedades que me limitam. Lugares comuns e formas de pensar, agir, achares, que quero deixar ir quanto antes. Tudo isto faz-me sentir uma urgência. Mas até essa urgência é uma armadilha.
Nos últimos dias senti coisas que já senti muitas vezes mas, porque trazem sofrimento, tento sempre camuflar. Arranjo subterfúgios para escapar e sou exímia nisso. Nesse fazer de conta. No fim, como diz a Marta Gautier, "paga-se a factura."
Há um exercício a que preciso de me render constantemente que é o de ser honesta comigo. Não fazer julgamentos do género: estás a ser preguiçosa, atrasas-te sempre, és tão boa amiga... Ou seja, atribuir uma forma qualquer - boa ou má - às coisas. Sinto que é uma perda de tempo. Ser honesta é não ter medo do que sinto ou do que os outros vão sentir. É não Tentar ser seja o que for. Despojar-me de "Quereres".
Ando há alguns anos a trocar de pele. Fui enchendo a minha vida de afazeres e de coisas que me foram empurrando para a frente. E muita coisa caiu. Chorei muito e senti muitos vazios impossíveis de preencher. Achei que queria morrer. Bati no fundo e ganhei impulso mas muitas vezes isso não foi suficiente para sair desses lugares de sombra. O caminho era e é sempre a Verdade. A essência.
A sensação de não ter tempo é avassaladora e faz-me questionar sobre quais são os meus vícios: o stress, o estar ocupada, o "estar sempre lá" para depois me sentir melhor comigo porque fiz tudo bem e fui tão boa pessoa. São camadas e camadas de coisas que não me servem para nada. Mas para cada momento de clarividência há uma estratégia para dar a volta e fazer de conta.
Tenho feito um exercício ultimamente que é escrever sobre coisas que me metem vergonha. Porque percebi que esta vergonha estava tão dentro de mim que até escrever sobre ela me metia medo. Ninguém lê aquilo que escrevo mas algures sentia medo "do que é a minha filha vai pensar quando crescer" e "se eu morro entretanto e alguém descobre estas coisas"... ao observar isto percebi como é fácil contar histórias a mim mesma até nos momentos em que acho que estou a abrir completamente o coração.
Não tenho receitas para isto de se ser realmente verdadeiro. Acho que é uma escuta que cada um tem que fazer de si mesmo. Enfrentando a escuridão nos momentos de escuridão porque só esse abraçar Do Que É vai abrir espaço. Mas partilhar isto aqui é para mim um caminho.
Há uma certa magia no processo de criar algo.
Não importa a circunstância, parece haver qualquer coisa maior a impulsionar uma ideia quando esta deseja muito ser criada.
O trabalho criativo expande-se e “decora a imaginação”. Por isso, se não for possível fazer-se o que se quer é importante tentar fazer outra coisa qualquer. Estar no fluxo. Em movimento — mesmo que não se saia de casa.
“O que é que farias mesmo se soubesses que irias fracassar?”
Muitas vezes um produto ou uma ideia nascem apenas de uma qualquer confiança inabalável no desconhecido. Guiados pela bússola da intuição e da confiança, cada viagem se faz de mistério, mesmo quando está tudo planeado. E, quanto a mim, é importante fazer aquelas coisas que nos falam mais alto, mesmo quando não sabemos se vamos ter sucesso ao fazê-las.
No entanto, em tempos de crise ou de incerteza redefinem-se os significados de sucesso. Por isso torna-se necessário cultivar um entusiasmo — um compromisso de entrega ao que nos rodeia. Exercitar a observação. A forma como as crianças brincam ou pintam ou constroem um castelo na areia sem medo que este se abata perante o mar é a raiz do entusiasmo.
Todos os nascimentos precisam de uma gestação.
Também é assim com uma grande ideia.
E a verdade é que para se dar algo à luz é preciso tempo, nutrição ou amor. Por vezes, ser capaz de se ultrapassar complicações e medos invisíveis.
Criar de dentro para fora é essencialmente estar à escuta desses lugares mais interiores. Perceber e praticar a arte de nos surpreendermos com o que está vivo em cada um de nós.
A vida acontece em tudo o que fazemos. Ao reverenciar cada momento encontra-se simplicidade.
Mesmo quando as circunstâncias são menos favoráveis.
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As tapeçarias encontram-se à venda na minha loja.
Ninho é casa. Lugar de repouso. Representa a capacidade de acreditar no ambiente em volta. A capacidade de construir algo belo com os recursos disponíveis.
É impressionante para mim como é que animais livres como os pássaros, que estão sempre em permanente movimento e impermanência, também necessitam de uma casa. Um lugar para onde regressar. Um lugar de alimento construído com os seus pequenos bicos.
Talvez todos os animais precisem de um lugar para onde regressar.
Ninho é confiança: nos elementos, nas coisas fixas, nas coisas móveis, em si mesmo.
Eu confio que há sempre um lugar à minha espera. Confio que a vida me vai dar sempre tudo aquilo que preciso. Algumas pessoas não nascem neste contexto – talvez a sua aprendizagem possa ser de outra espécie. Não sei.
A mim é o ninho que me ensina.
Hoje reli algo que escrevi em Maio de 2015.
Estava a passar por um momento de grande interioridade e rendição à vida. Nada parecia fácil. Mas olhando para trás, tudo estava à minha disposição - como tantas vezes acontece.
Escrevi: "Eu acredito que a cura do feminino e do masculino se vai dar quando o homem se der. Quando o homem se entrega, a mulher recebe. E quando a mulher finalmente aprende a receber, o homem encontra significado. Encontra propósito para tudo o que precisa de ser feito."