the hands show the way of the heart

# Dia 138

| On
October 13, 2010


Durante estes dias continuei a leitura do "A Causa das Coisas" do Miguel Esteves Cardoso.

É difícil seleccionar um excerto, porque gosto de muitos e identifico-me com vários, mas seleccionei este ("Optimismo").

É um pouco controverso. Mas a verdade é que não tenho o menor interesse em discutir política ou crise.
Na realidade só achei curioso deparar-me com este texto escrito há quase 30 anos mas que me fez questionar não sobre o presente mas sobretudo como poderão ser os próximos 30.

...

Fico muitas vezes ansiosa por não saber quanto tempo vou ter para viver tudo o que imaginei. Sinto uma urgência muito grande de viver tudo "já"...
O tempo parece-me sempre curto e precioso.

{mas sei que nada é a preto e branco. sei mesmo.}

“Os portugueses estão entre os dez povos mais pessimistas, de acordo com uma sondagem internacional da Gallup, recentemente divulgada. Viu-se então que 40 por cento dos portugueses julgam que 1984 vai ser um ano pior que 1983.
Ora o optimismo e o pessimismo têm, como já dizia o anúncio do Café Sical, um uso que é particular aos portugueses. Os optimistas pensam que 1983 foi tão mau, tão mau, que é impossível 1984 ser pior; e os pessimistas pensam que, comparado com o que vai ser 1984, 1983 foi um mar de rosinhas.
...
Nem o optimismo nem o pessimismo portugueses foram bem compreendidos. Faltava reparar na das característica essencial do optimismo português: nomeadamente, que ele não visa nem o presente nem o futuro. Não. O optimismo português faz-se sentir exclusivamente em relação ao passado. É, numa palavra, retroactivo.
Todos nós o sabemos e sentimos: no fundo, acreditamos que o passado vá melhorar para todos nós. Cada dia que passa, o passado torna-se mais desejável. Lá, há um lugar para todos os portugueses. Nunca chove, nunca inflaciona, nunca falta alegria.
...
A lógica ancestral é a do "deixa passar". Logo que uma coisa passa para o passado, passa a ser a melhor de todas.
Isto deve-se ao jeito enorme que temos para esquecer as misérias. Um português que tenha passado a mocidade fechado numa jaula infecta a pão e água, acusado de crimes que não cometeu, lembra-se da experiência como mais ninguém neste mundo. Passados uns anos, dirá qualquer coisa como "Ah, eu nessa altura não tinha nada, mas era feliz. Tinha a minha salinha, o meu pãozinho, o meu cantarozinho de águinha fresquinha, e ninguém me chateava, a não ser quando era espancado regularmente por uns tipos porreirinhos que tudo faziam para que eu não me maçasse".
Tudo o que passou é bonito aos olhos dos portugueses e a língua reserva-lhe os mais ternos diminutivos. Quando alguém morre, por exemplo, torna-se universalmente amado e sobre aos topes que em vida nunca alcançou. Isso irrita alguns, sobretudo os vivos que teimam em ser amados antes do tempo certo (ou seja, enquanto estão vivos).
Em 2003, 1983 será um dos melhores anos das nossas vidas, e 2003 será, sem dúvida, o pior de sempre. É preciso, por isso, esperança: basta esperarmos vinte anos para vermos quanto estamos felizes e bem servidos neste ano de 1984."
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